A Nigéria, sentindo-se encurralada pela pressão francesa para a expansão do franco CFA (que recorre a todos os argumentos, incluindo uma campanha pessoal contra o presidente Buhari, que a Jeune Afrique trata deselegantemente de "falcão depenado"), reagiu boicotando a presença do país na Cimeira Extraordinária da União Africana, onde deveria ser assinado o Acordo de Comércio Livre, conforme anunciado ontem pela Presidência do país. É que isso implicaria uma abertura do mercado nigeriano ao exterior e ofenderia a estratégia proteccionista e uma visão de desenvolvimento baseada na soberania monetária.
Como já vimos aqui, tratam-se de duas visões radicalmente diferentes para o futuro da moeda única da CEDEAO. Uma das quais nem sequer é africana, mas uma extensão do colonialismo, que o presidente francês insiste em promover. Efectivamente, segundo um artigo hoje publicado sobre a nova moeda única da África Ocidental, Macron afirmou recentemente que era favorável a um "alargamento do perímetro" do franco. Apesar das aparentes concessões que tinham feito nessa matéria, admitindo vagamente o fim do CFA, os franceses parecem ter dificuldade em aceitar a perda da sua influência no mundo e o facto de já não serem uma potência colonial. Em plena negação, optam pela fuga para a frente e pretendem não só continuar a instrumentalizar a política monetária da UMOA, como absorver os restantes países da CEDEAO para a sua área de influência, isolando a Nigéria. Resta saber se não terão mais olhos que barriga.
Aparentemente, estamos em plena batalha escatológica pela definição do futuro da África Ocidental. E a visão neo-colonialista que impregna toda a administração francesa, imposta e mantida em África à custa do sangue dos seus líderes mais promissores, como ontem foi dito num programa da Africa 24, lembrando o caso de Sylvanus Olympio, presidente do Togo, assassinado três dias depois de decidir abandonar o franco CFA, ou de Thomas Sankara, que ousou desafiar Miterrand em solo francês, pregando um desenvolvimento auto-centrado e sustentável, independente da antiga metrópole, denunciando o controlo total da economia, da política e da sociedade pela França e pelas suas elites económicas.
Mas se, durante muito tempo, conseguiram calar as populações, pela repressão e pelo aliciamento de líderes bem comportados (a quem admitiram na maçonaria, para melhor os envaidecer e controlar), vimos assistindo, nos últimos anos, a uma inversão do cenário. A opinião pública dos países da própria UMOA, mais esclarecida, já não é o que era. Pouco a pouco, os olhos vão-se abrindo. Activistas ousam levantar o tabu e provocar o poder estabelecido, como foi o caso de Kemi Seba, quando queimou uma nota de 5 000 FCFA, recebendo ordem de prisão. Os protestos chegaram de todos os países da zona, até do insuspeito Mali.
O próprio presidente Ouattara, apesar de todas as garantias dadas em Paris a Macron, em Junho do ano passado (decerto ainda não esqueceu as razões que o levaram ao poder), está entalado entre a "obrigação" de não cuspir na sopa, e a sua opinião pública (ou o interesse do seu país?). Num inquérito on-line de opinião promovido durante a semana passada pelo jornal La Depêche d'Abidjan, os resultados afixados pouco antes da meia noite de hoje, dia 19 de Março, eram de 11% a favor do CFA e 89% contra, num total de 2641 votantes.
Mas não é só em África que se levantam as vozes contra o neo-colonialismo que França insiste em tentar impor. O Partido Comunista Francês, sentindo o momento, avança também, através de uma Conferência sobre o Neo-Colonialismo francês em África, já para o próximo dia 24 de Março. "Os povos africanos, pilhados pela nossa burguesia, estão em luta, e não podemos ficar calados. É preciso romper o silêncio".
A centralização das reservas de câmbio bloqueia as economias da zona, a paridade a uma moeda forte limita fortemente a competitividade das economias africanas no mundo (mantendo-se ao serviço dos velhos interesses coloniais), a convertibilidade garantida não passa de uma forma de camuflar a evasão de capitais. A quem aproveita a apregoada "estabilidade"?
Num artigo de opinião de há uma semana atrás, intitulado "a vergonha dos pedintes", pode ler-se "são numerosos os países africanos que não podem viver sem a ajuda da França. A ajuda ao desenvolvimento não poupa nenhum país africano. Uma vez chegados à Presidência, o país anfitrião é a França. Todos os chefes de Estado à procura de protecção ou de financiamento correm para o país de Macron. O paradoxo é que ainda há poucos meses, se falava na extinção do CFA. É suficiente que façam uma viagem a França para recuperarem alguns dos seus CFA para que os franceses recebam os louros de uma grande generosidade. Mas seria bom procurar descobrir de onde vem na realidade esse dinheiro. As ofertas francesas parecem anedóticas (...) A exploração das riquezas africanas não serão a recompensa das migalhas com que se contentam os africanos após cada anúncio de um dom à pobreza? Apesar dos beneficiários considerarem essas migalhas como o franco culminar de uma amizade entre a França e os pedintes. Poderia a França estar no G5, não fossem esses africanos sedentos de ajuda? Para o desenvolvimento desses países pedintes, é absolutamente necessário cortar com essa mão estendida e criar uma diplomacia razoável. Os chefes de Estado mendigos responderão perante o Juízo Final".
Acrescentamos que a hipocrisia francesa chega ao ponto de contabilizar como ajuda ao desenvolvimento os juros referentes aos depósitos obrigatórios dos países da UMOA no seu Banco Central!
O pior de tudo isto é que, por causa de interesses alheios irredutíveis, os africanos da costa ocidental podem perder uma oportunidade de ouro para uma verdadeira integração regional, no contexto de uma solução negociada. Não fosse a intransigência francesa, preocupada apenas com o seu umbigo, soluções criativas poderiam ser encontradas, como sugeriu em entrevista, há quatro dias, o antigo primeiro ministro do Bénin, propondo a indexação mista em relação ao dólar e ao euro (também referida no artigo já aqui publicado "Où est MOA").
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