Um dia depois de completar 80 anos, Alpha Condé dirigiu-se ontem dia 5 de Março à nação. Na sequência de eleições percebidas por grande parte da população como viciadas, que deram origem a uma série de manifestações reprimidas com grande violência e que provocaram cerca de uma centena de mortos, greves recorrentes e uma jornada de protesto que declarou Conacri "cidade morta" (numa espécie de recolher obrigatório promovido pelas populações em vez de pelo estado) a que se acrescentam relatos de execuções extra-judiciais e de assassinatos de membros da oposição, enfim, aquilo que um jornalista definiu a semana passada como um "cocktail explosivo de crises", esperava-se com grande expectativa um discurso forte, anunciando medidas firmes, capazes de acalmar o grande cansaço das populações com a situação do país.
No entanto, foi precisamente o contrário que se passou. Segundo constata um jornalista no próprio título do seu artigo, Alpha Condé "falou para não dizer nada", acrescentando que, durante esta noite e madrugada (o discurso teve início às 22h06), as redes sociais se encheram de comentários hostis ao Presidente e que era por demais evidente a decepção.
Outro jornal, constata que o Presidente reconheceu finalmente os problemas (pois até aqui tinha adoptado a política da avestruz, de enfiar a cabeça na areia) adoptando um discurso de humildade pouco habitual (com gosto a hipocrisia), para um tardio mea-culpa, mas que não passa de retórica gratuita, pois não bastam palavras, seria necessário anúncio de medidas fortes e mobilizadoras, concluindo que "não passa portanto de mais um discurso a juntar a todos os anteriores, que ficaram sem amanhã".
Efectivamente, acrescenta outro artigo, não basta arrepender-se e pedir desculpa às vítimas, não bastam patéticos apelos à "unidade nacional sagrada", ou pedinchar uma "trégua social" para evitar o conflito permanente e as "crises em cadeia".
Já o chefe da oposição, Cellou Diallo, que se pronunciou a quente, em entrevista exclusiva ao Africa-Guinée, imediatamente após o fim do discurso do Presidente, manifestou-se desiludido perante as expectativas criadas, atendendo a que é a primeira vez que o Presidente se dignou dirigir-se à nação, que não nas habituais datas do Ano Novo e Dia da Independência. "Não há uma ruptura com o passado, ou sequer com o presente, nada de novo capaz de suscitar a esperança de que o povo está desesperadamente carente", para além de um discurso vazio e sem criatividade. Acusa o Presidente de um discurso de "letra morta", ou seja, de verter lágrimas de crocodilo, pois se este afirma lamentar as mortes de manifestantes pacíficos (inclusive crianças queimadas vivas), não há qualquer gesto para apurar responsabilidades junto das suas forças da ordem, não anunciando a abertura de qualquer inquérito. A irresponsabilidade de Alpha Condé é de tal ordem que não hesita em lavar as mãos, atirando aos leões os seus Ministros, a quem acusa de "não lhe contarem a verdade", quando todos sabem que na Guiné Conacri o regime é presidencial e nada se faz sem o seu consentimento e aval.
O News Guinée vai mais longe e diz que Alpha Condé parece estar a seguir as pisadas de Blaise Campaoré, fala de implosão do RPG (partido de Alpha Condé), vendo neste discurso um inédito sinal de fraqueza do Presidente, anunciando como inevitável, a breve trecho, uma insurreição popular. Acrescentamos nós que o beau Blaise também andava feito barata tonta, armado em mediador de crises alheias, pouco antes de lhe rebentar a batata quente nas mãos. Por falar em sinais de fraqueza, como classificar a expulsão, há três dias atrás, do activista de boa governança Kemi Seba, do Bénin (em flagrante violação das regras comunitárias da CEDEAO de livre circulação das pessoas), que tinha à sua espera no aeroporto de Conacri uma multidão de jovens adeptos? Este reagiu no FaceBook, acusando Alpha Condé de anti-democrático, corrupto e narco-traficante.
A Jeune Afrique, que publicou a semana passada um dossier "Alpha Condé à l'épreuve", parece querer sugerir num outro artigo, dando uma no cravo outra na ferradura, que face a tantos fracassos internos, já só sobra a Alpha Condé a credibilidade que lhe granjeia externamente a sua missão de mediação na Guiné-Bissau e no Togo. O jornalista deveria estudar as duas Guinés, pois parece não ter percebido que estamos perante o mesmo Alpha Condé, intragável e imprestável, tanto por dentro como por fora.
Em retrospectiva, lembre-se o esclarecido artigo do jornalista Jacques Lewa, no mesmo jornal News Guinée, que há duas semanas nos contava uma história de bastidores que não teve grande publicidade: o Presidente Buhari da Nigéria terá convocado o embaixador do Togo, para acusar directamente o próprio Presidente Faure Gnassimgbé (cunhado de Marcel de Souza) de anti-democrático e de não compreender a evolução dos tempos (acrescentando mesmo que foi uma decisão infeliz promovê-lo à cabeça da CEDEAO!), metendo no mesmo saco Alpha Condé. Usando como exemplo da incompetência dessa seita de ditadores, o falhanço da mediação na Guiné-Bissau, para a qual não souberam encontrar soluções, obviamente por falta de moralidade para isso. Quando a Nigéria se intromete...
Alpha, regarde ton Omega, ton temps est terminé.
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