domingo, 25 de março de 2018

Emissário ao Emir


Com menos de metade da área da Guiné-Bissau, o Kuwait faz lembrar o mapa da Guiné-Bissau visto ao espelho. Mas há mais parecenças: a sua capital também dá o nome ao país, encontra-se numa abertura para o mar com várias ilhas ao largo, tem secções rectas da fronteira, possui mais ou menos o mesmo número de cidadãos (apesar de o país ter o dobro dos habitantes) e está dependente quase a 100% das exportações de um único produto.

Lembre-se ainda que o Embaixador do Kuwait na ONU, Mansour Al-Otaibi, teve uma intervenção relevante aquando da tentativa de endosso das sanções da CEDEAO, apontando com alguma perplexidade que o caso da Guiné-Bissau era único, entre aqueles analisados pelo Conselho de Segurança, sendo puramente político e alheio a qualquer ameaça securitária.

"The situation in the West African country is different from other cases being examined by the UNSC in the sense that it is purely political remotely from any security dimensions."

Há pouco, a Agência Noticiosa do país emitiu uma nota acusando recepção de uma carta transmitida em mão por enviado especial, dirigida ao Emir por parte do Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, na qual expressa a vontade de reforçar os laços de cooperação bilateral em várias áreas. Cooperação? Só se for para trocar ouro negro por ouro castanho. 

sábado, 24 de março de 2018

À espera que luza no fundo do túnel

A Lusa publica um artigo banal e cheio de erros factuais e gramaticais.

Oferecemos uma rectificação.

Começando pelo título...

"Apelo ao uso do caju como fonte de vitamina C" Ora cá está um título relevante e bem escolhido.

"ligado aos vários projectos" quais? deveríamos acompanhar a vaidade do senhor?

"produção do produto" pois, é como subir para cima, ou lamber com a língua

"300 mil toneladas" não corresponde aos dados oficiais que a Lusa tem publicado nos últimos dias

"mais de metade é exportada" um pouco impreciso... quer dizer que quase metade é consumida localmente?

"No período do caju as pessoas não têm problemas de vitamina C" e no resto do ano, têm? caem-lhes os dentes?

"defende a transformação local em vez de venda da totalidade da produção guineense" então em que ficamos? mais de metade é igual à totalidade?

"postos de emprego" (sem aspas no original, ou seja, da responsabilidade do editor) postos de trabalho, sff

"de todo caju" de todo o caju, sff

"O caju é o principal produto agrícola e de exportação na Guiné-Bissau" La Palisse não diria melhor. Representa 99% do valor das exportações.

"Estudos e especialistas recomendam a transformação local do produto" ah é? são os de autoria do "especialista"? isso é alguma novidade?

"a capacidade instalada para o processamento do caju na Guiné-Bissau assegura apenas 30 por cento". ah é, 30%?

"Mário Mendonça garante que "apenas dois a três por cento" das cerca de 300 mil toneladas produzidas (cerca de 170 mil é exportada anualmente) é sido processada." 2 ou 3%? então, contradiz-se em relação à frase anterior?

"170 mil é exportada" 170 000 está muito longe do singular... 170 000 são exportadas, sff

"é sido"? é mas é sida ortográfico

 "pode fazer-se também, licores" também vírgula licores? licores é plural, já agora

"da árvore pode retirar-se lenha" Obrigado, senhor de La Palisse, os guineenses estavam ansiosamente à sua espera para lhes explicar

"O especialista alertou também que "há muito dinheiro de proveniência pouco clara" a circular no negócio do caju" Ah! Cá está a mensagem. Para além do narco-tráfico, e dos riscos de terrorismo, ontem, hoje é a lavagem de capitais.

Ficámos esclarecidos. Agora vamos comer o nosso caju ao pequeno almoço para repor o stock de vitamina C.

É de uma banalidade e boçalidade chocante, este pretenso artigo, para servir os mais que óbvios intentos de prejudicar a imagem da Guiné-Bissau. Um monte de lixo para uma pobre mensagem podre. Se fazem fretes, coloquem aspas no princípio e no fim, ficam mais protegidos. Vão mas é aprender a escrever. Indigno de uma agência de notícias oficial.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Pura coincidência Lusa

A Agência Lusa tirou hoje duas notícias com um quarto de hora de intervalo sobre a Guiné-Bissau, uma às 15h42 e outra às 15h57. (a Lusa não permite a visualização integral do artigo, veja mais à frente).

Nada demais. Os assuntos são diferentes.

Mas há algo que as liga. Ambas falam de prevenção. Uma do radicalismo e extremismo religioso outra do consumo de droga.

Sim, mas e então?

Pura coincidência? Talvez. Mas os teóricos da conspiração poderiam ver neste reforço mútuo alguma intenção escondida.

No fim da notícia relativa à droga, depois de múltiplas citações do entrevistado (secretário-executivo do Observatório Guineense da Droga e da Toxicodependência) entre aspas, a Lusa escreve sem elas:

"Abílio Có Júnior alertou também para o facto de que dos 100% das drogas que passam pelo país 30% ficam para consumo interno, principalmente o ‘crack’". (as aspas são nossas, que citamos a Lusa).

Quando se escreve sem aspas, a responsabilidade deixa de ser de quem declara. Ora, obviamente, não estamos perante um "facto" mas perante uma estimativa do observador (não o jornal, mas o entrevistado), que nem sequer é grosseira, mas sim falsa e confusa, ao misturar as drogas todas no mesmo saco. Recorrendo ao truque de colocar essas afirmações em jeito de conclusão, não quererá a Lusa intencionalmente deixar no ar, perante o leitor pouco informado, a ideia de que passa muita droga pela Guiné-Bissau?

Conseguiram transformar uma notícia de prevenção do consumo em diabolização do narco-estado. O resto do guião também se conhece, atiçar os riscos do terrorismo, etc. Para criar a convicção da fragilidade do Estado? A quem interessa a desestabilização da Guiné-Bissau?

Quanto à INTERPOL, talvez fizesse melhor proveito em considerar a Guiné-Bissau um caso de estudo, um laboratório de ensaio da tolerância, em vez de tentar instilar os seus medos e inocular o vírus da desconfiança, numa sociedade cuja marca é uma saudável e respeitosa convivência inter-religiosa.

Venham até cá fazer turismo e estudar os casamentos mistos, duplamente celebrados por duas religiões diferentes, e sairão decerto mais ricos.

quinta-feira, 22 de março de 2018

Faure prova malagueta e diz que arde

O Conselho de Ministros togolês reuniu-se ontem, tendo por ordem de trabalhos apontar a utilização da internet como bode expiatório para a situação do país. No comunicado final emanado, os ministros diziam "não compreender por que razão são cada vez mais numerosos os internautas a dispararem bojardas contra o seu país." 

Decidiram ainda estudar a possibilidade de reforçar o arsenal jurídico do país, com o objectivo "de processar utilizadores da Internet que incitam os seus compatriotas ao ódio e que espalham informações falsas nas redes sociais." Segundo o jornalista Roger Adzafo, o referido comunicado mais parece um autêntico "curso de direito, lembrando aos cidadãos que os textos de lei comum também são aplicáveis ​​a questões digitais. Assim, os autores de notícias falsas e discursos de ódio podem ser culpados de ofensas, como insulto ou calúnia."

Quem encomendou a tarefa foi sem dúvida Faure Gnassingbé, para quem "Hoje, aqueles que intoxicam e mentem encontraram um aliado na tecnologia. Pode-se transformar um homem simples como eu num ditador sanguinário."

Segundo o Conselho de Ministros "o uso inadequado de redes sociais impacta negativamente a imagem do país, ajudando a afastar os investidores, desestimulando o espírito empreendedor, o que pode ter repercussões na criação de emprego e de riqueza".

Faure está a confundir as coisas. É preciso tratar os bois pelo nome. Quem impacta negativamente a imagem do país é o próprio presidente, ditador sanguinário, ao desafiar a vontade popular de lhe atribuir a reforma, após três mandatos de má memória. Não vale a pena tentar virar o bico ao prego ou armar-se em donzela ofendida. Gnassingbé nada tem de virgem pura e inocente, como mostrou ao tornar-se cúmplice na ignominiosa mediação conduzida por Alpha Condé e Marcel de Souza na Guiné-Bissau. "Homem simples"? Ou um lobo disfarçado com pele de cordeiro? Algum togolês se deixará ainda enganar? Não parece... a internet, pelo contrário, fomentou a liberdade de expressão e permitiu um esclarecimento cada vez maior da população togolesa, que antes estava confinada à verdade oficial ditada por Faure. 

Alpha Condé fecha-se na concha

As autoridades impediram hoje a marcha de protesto da oposição.  Para o seu líder, trata-se de uma atitude incompreensível, pois o próprio General Ansumane Camará, também conhecido como Bafoe, director do CMIS (companhia móvel de intervenção e segurança) felicitou a responsabilidade da oposição, na última marcha promovida, que decorreu sem incidentes. Mas Cellou Dalein responde à letra "Como Alpha Condé gosta de desordem, vamos ajudá-lo a promover a desordem, a partir da próxima semana". A oposição vai reunir para organizar manifestações em massa. A semana que aí vem anuncia-se como explosiva em Conacri.

O mesmo responsável de segurança, Bafoe, gabava-se de ter instalado um impressionante dispositivo de segurança para impedir a realização de um sit in promovido por parte das mulheres da oposição, ontem, em frente ao Ministério da Justiça, para pedir a responsabilização dos agentes das forças da ordem responsáveis pelos assassinatos e exacções dos últimos tempos. O General disse ainda que as forças da ordem não voltariam a ser surpreendidas como aconteceu a 8 de Março, quando as mulheres conseguiram invadir as redondezas do palácio presidencial, como aqui demos conta, nesse dia. Armas pesadas para fazer frente a mulheres de mãos nuas? 

quarta-feira, 21 de março de 2018

Varrer para debaixo do tapete


O presidente do PAIGC, partido cujos problemas internos estão na origem da presente crise, pretende lavar as mãos com sabão de vítima e deitar a bacia da água suja para cima de outro partido?

Não conhecemos o teor do processo relacionado com os 13 militantes convocados ao Ministério Público. Nem Domingos Simões Pereira parece conhecer, ou pelo menos não o partilha no texto em epígrafe. No entanto não hesita em presumir acusações, nem em imputá-las a quem lhe convém. 

"Agora, estes são acusados e vão ser ouvidos". Não, não tente dar o salto maior que a perna, invertendo os trâmites: vão ser ouvidos, e só depois, eventualmente, acusados. E, caso o Ministério Público avance, quem decide da sua eventual culpa, para os transformar em condenados, é o tribunal. Até lá, são simples testemunhas, e mesmo que sejam acusados, são ainda presumidos inocentes. A ladainha da vítima não pega.

Mas o que choca pelo absurdo é apontar o dedo ao PRS. O Ministro de Estado e do Interior, que acusa de ser o instigador, é porventura um alto dirigente do PRS? Não. O comanditário que aponta, foi porventura quem disputou a liderança do PRS em Congresso? Não. Porventura no "grupo de arruaceiros" identificaram-se com o cartão do PRS? Não, alguns fizeram mesmo questão de mostrar o cartão do PAIGC, não se percebendo por que razão foram impedidos de entrar na sede do seu Partido, ou por que não estava ninguém para os receber e com eles dialogar. 

A recente recusa em participar do diálogo ao mais alto nível, ignorando convocatória do Presidente da República, vem apenas confirmar essa estratégia autista, de quem tem o rei na barriga e julga que é dono disto tudo. Não, um verdadeiro democrata esgrime argumentos, tenta convencer pela força das suas razões, não se esquiva ao diálogo. Nem que no fim decida optar por dizer que não. 

Não queira tapar o sol com a peneira, senhor Domingos Simões Pereira. 

Foi e continua a ser sua intransigência, que conduziu o país à "saga de divisão e instrumentalização de todas as franjas da nossa sociedade, querendo provocar o caos, a desordem e a insegurança generalizada." Quem são os verdadeiros "senhores sequestradores do Estado, da paz e da ordem interna"? Quem inventou "organizações da sociedade civil" para esse fim e ainda atribui prémio em Congresso ao seu líder que se dizia "independente"? Se entender, use o seu espelho, e em vez de lhe fazer sempre a mesma pergunta que a madrasta da Branca de Neve fazia, questione-o sobre isso, pode ser que chegue à resposta certa.

É de alguma forma compreensível que, perante a ausência de solidariedade do PRS, aquando das circunstâncias que envolveram o adiamento do recente Congresso do PAIGC, por decisão judicial motivada por militantes do PAIGC, haja algum ressentimento em relação a esse partido. No entanto, isso não justifica, como não justificava nessa altura, que tente varrer para cima de um partido que se tem limitado a fazer política. Porque essa tentativa de limpar as suas culpas no cartório é o cúmulo, que só o expõe ao ridículo.

Estrangeiros abandonam Conacri

Jornal senegalês denuncia as violências étnicas em curso em Conacri.


No fim do artigo, afirma que Alpha Condé "depende do caos para poder governar. Informações em nossa posse revelam que estrangeiros, estabelecidos em Conacri e redondezas, começam mesmo, por medida de prudência, a abandonar o país. No entanto, nem as organizações dos direitos humanos, nem as internacionais evocam estas matanças que fazem a actualidade da imprensa. O silêncio é igualmente total tanto da parte da CEDEAO como da União Africana, enquanto vimos recentemente políticos bissau-guineenses democraticamente eleitos proibidos de sair do seu país pela primeira dessas organizações citadas, sob o falacioso pretexto de bloquearem o funcionamento das instituições do seu país."

terça-feira, 20 de março de 2018

Alerta fito-sanitário

O presidente da Associação de Agricultores da Guiné-Bissau (ANAG), Jaime Gomes, alertou hoje para a propagação de várias pragas que afectam o cajueiro. Uma delas, decerto pela sua vulgarização, até já mereceu a atribuição de uma designação própria por parte dos agricultores: serra-cajú. Trata-se de um insecto que mina os troncos, até que caem. Mas há outras pragas que "atacam o caule, há outras que atacam as folhas, outras ainda que comem as flores".

Sabendo que o cajueiro é uma planta alienígena, introduzida na Guiné-Bissau há pouco mais de meio século, há o perigo real de uma praga nova poder ter um efeito fulminante sobre os pomares, à falta de predadores naturais. O que, conhecendo a dependência quase exclusiva do país em relação à produção, seria trágico e poderia ter resultados devastadores para a economia familiar e do país. Aponte-se como exemplo da incúria com que as autoridades tratam estas ameaças, o caso de Portugal: a chegada de um escaravelho, julga-se que com origem em Marrocos, reproduziu-se rapidamente por falta de inimigos e destruiu em pouco tempo a quase totalidade das palmeiras do país, deixando a paisagem de certas localidades, como Peniche, tristemente desolada.

Se, até aqui, a situação não parece ser excepcionalmente alarmante, as pragas atacando sobretudo as plantas mais velhas, isso não impede que, devido à importância estratégica da cultura do cajueiro, não seja criada uma célula fito-sanitária que se dedique ao estudo das pragas que afectam o cajueiro, à sua monitorização no terreno, a equacionar tratamentos e formas de as prevenir. Uma das maiores preocupações de Amílcar Cabral, após ter acabado o curso de Agronomia e ter vindo até à Guiné, no princípio dos anos cinquenta, era precisamente a segurança fito-sanitária, tendo publicado um pequeno opúsculo sobre o assunto.

Apesar da multiplicação de Associações, muitas vezes em sobreposição, pouco ou nada se tem feito, para além deste género de alertas, quanto ao ordenamento desta cultura, que, segundo o engenheiro florestal Constantino Correia afirmou, há menos de um ano, poderia render duas ou três vezes mais, se feita de forma organizada. 

Felicitações tripolares

José Mário Vaz enviou hoje felicitações ao presidente russo Vladimir Putin e ao presidente chinês Xi Jinping, pelas respectivas reeleições, manifestando vontade de reforçar a cooperação com estes dois países, os quais acabaram com as pretensões hegemónicas americanas que se seguiram à queda do muro de Berlim e ao fim da guerra fria. Lembre-se que estes dois países se opuseram recentemente, no seio do Conselho de Segurança da ONU, ao endosso das sanções ilegais que a CEDEAO, manipulada pela máfia pró-CFA, impôs a 19 políticos guineenses. Recorde-se que estes dois países são contra a imposição de sanções aos seus cidadãos, por considerarem que, nos moldes em que se encontra a jurisprudência mundial, o respectivo quadro legal não oferece garantias de defesa, em termos de contraditório ou recurso, violando os Direitos Humanos.

Manobras dilatórias de Faure

A poucas horas de mais uma vaga de quatro dias de manifestações que deverão varrer o Togo, o principal opositor de Faure Gnassingbe, Tikpi Atchadam, presidente do PNP (Partido Nacional Panafricano) acusa o Presidente de sabotagem do diálogo e de usar este como um dispositivo para travar o ímpeto do povo, que o quer ver destituído. "A paciência do povo tem limites face à teimosia do governo. (...) É preciso dizer a verdade a Faure. E se ele não quiser ouvi-la, impor-lha, nem que seja pela força". Considerado como ponta de lança da alternância, pisca o olho à Nigéria, para que tome em mãos os destinos da CEDEAO, como primeira potência militar da África ocidental e se torne a "força dos povos fracos da sub-região".

O colectivo de 14 partidos que estão na origem da convocação das manifestações reuniu no princípio da semana passada com um general do exército nigeriano, na embaixada da Nigéria em Lomé. Um artigo da imprensa togolesa levantava a questão de se deveria ser encarada a hipótese de uma solução ao estilo da Gâmbia, atendendo ao denominador comum que é a luta pela conservação do poder por parte de um único indivíduo. Acrescente-se que, uma vez que um país francófono ocupou um país anglófono, seria legítimo um país anglófono proceder à reposição do equilíbrio sub-regional, com base nesse precedente. 

Segundo o mesmo artigo, o Presidente Buhari estima que os problemas de alternância são uma das razões que impedem as populações africanas de se concentrarem no desenvolvimento. Talvez por isso tenha boicotado a Cimeira da UA, manifestando o desagrado pela deslocação a um país onde o Presidente (como o seu vizinho de Bujumbura), violou os acordos estabelecidos e alterou a constituição para obter um terceiro mandato e se manter no poder. A carta da CEDEAO prescreve a limitação a dois mandatos do exercício do poder presidencial. Carta à qual nem o presidente togolês nem o guineense querem aderir.

Mas o que é que está em causa? É a esperteza saloia de Faure Gnassingbé, que pretende contornar as regras recorrendo a uma habilidade. Está em cima da mesa um referendo para o retorno à Constituição de 1992, a qual limita a dois os mandatos presidenciais. No entanto, Faure faz finca pé para que esta não seja "retro-activa", o que lhe permitiria, depois dos três mandatos já cumpridos, fazer ainda mais dois, mantendo-se por mais dez anos no poder. 

E, para isso, espera contar com o apoio da maioria dos chefes de Estado, mesmo que envergonhadamente, como é o caso do presidente do Senegal, segundo um outro artigo do mesmo jornal togolês: "Em privado, Macky Sall julga desapropriada a vontade de exigir a partida de um presidente que não foi deposto pelas urnas (pretendendo assim defender a sua conquista, sem oferecer o flanco). Alpha Condé (interessadamente, pois agrada-lhe o precedente, uma vez que pensa imitar Faure) também partilha essa tese. Apoiando-se no clube dos chefes de Estado (controlados por Paris), Lomé tenta dividir os seus adversários." Mas essa maioria é relativa, pois os países são de dimensões diferentes e a Nigéria tem mais população só por si que todos os restantes países da CEDEAO juntos! 

Mesmo que a opção militar não venha a ser tomada, o Presidente Buhari já disse que, por enquanto, Faure detem infelizmente a Presidência da CEDEAO. Mas, segundo artigo do jornal L'Alternative, "se até Junho, quando acaba o seu mandato, a situação togolesa não conhecer desenvolvimentos positivos, Faure Gnassingbé passará por dias bem complicados. O pau que usou desajeitadamente contra a Guiné-Bissau, será o mesmo que os seus colegas utilizarão contra ele". Legitimamente, acrescente-se.

Ras le bol


Com um longo historial de exacções, do qual um episódio recente consistiu na agressão a um jornalista, os boinas vermelhas, ou a guarda pretoriana do ditador Alpha Condé, são agora acusados de estar a participar de uma campanha de intimidação conduzida contra bairros populares de componente essencialmente fula, prendendo jovens para os espancar durante a noite, exigindo elevados resgates aos seus pais. Como já se tinha constatado, com a presença dos donzos em Conacri, Alfa Condé, desesperado, não hesita em recorrer à intimidação com base étnica.


Isso mesmo foi denunciado em carta aberta dirigida ao Presidente da República, pela coordenação nacional dos fulas do Fouta Djallon, que considerou como "um dever imperioso interpelar o governo e alertar a comunidade internacional para as reiteradas violações dos mais básicos direitos humanos: justiça sempre negada, repressão indiscriminada e assassinatos continuam a ser cometidos, apesar de todas as promessas das autoridades. (...) Convidamos o presidente a proceder a uma avaliação rigorosa da situação de forma a interromper o ciclo de assassinatos, de destruição, de estigmatização, cujas principais vítimas são fulas, para evitar que nosso país caia no precipício da divisão. (...) Sem outro recurso, sabendo que a justiça, a polícia, o exército, todos estão sob as ordens de um poder injusto que nos segrega, sabemos que como último recurso só podemos contar connosco próprios e com Deus. Dadas as políticas segregacionistas do poder etnocêntrico do Professor Alpha Condé, declaramos de viva voz que estas atitudes do poder estabelecido constituíram a gota de água que fez transbordar o copo da nossa paciência. Vamos tomar todas as medidas que julgarmos adequadas para nos defendermos".

Batalha escatológica


A Nigéria, sentindo-se encurralada pela pressão francesa para a expansão do franco CFA (que recorre a todos os argumentos, incluindo uma campanha pessoal contra o presidente Buhari, que a Jeune Afrique trata deselegantemente de "falcão depenado"), reagiu boicotando a presença do país na Cimeira Extraordinária da União Africana, onde deveria ser assinado o Acordo de Comércio Livre, conforme anunciado ontem pela Presidência do país. É que isso implicaria uma abertura do mercado nigeriano ao exterior e ofenderia a estratégia proteccionista e uma visão de desenvolvimento baseada na soberania monetária.

Como já vimos aqui, tratam-se de duas visões radicalmente diferentes para o futuro da moeda única da CEDEAO. Uma das quais nem sequer é africana, mas uma extensão do colonialismo, que o presidente francês insiste em promover. Efectivamente, segundo um artigo hoje publicado sobre a nova moeda única da África Ocidental, Macron afirmou recentemente que era favorável a um "alargamento do perímetro" do franco. Apesar das aparentes concessões que tinham feito nessa matéria, admitindo vagamente o fim do CFA, os franceses parecem ter dificuldade em aceitar a perda da sua influência no mundo e o facto de já não serem uma potência colonial. Em plena negação, optam pela fuga para a frente e pretendem não só continuar a instrumentalizar a política monetária da UMOA, como absorver os restantes países da CEDEAO para a sua área de influência, isolando a Nigéria. Resta saber se não terão mais olhos que barriga.

Aparentemente, estamos em plena batalha escatológica pela definição do futuro da África Ocidental. E a visão neo-colonialista que impregna toda a administração francesa, imposta e mantida em África à custa do sangue dos seus líderes mais promissores, como ontem foi dito num programa da Africa 24, lembrando o caso de Sylvanus Olympio, presidente do Togo, assassinado três dias depois de decidir abandonar o franco CFA, ou de Thomas Sankara, que ousou desafiar Miterrand em solo francês, pregando um desenvolvimento auto-centrado e sustentável, independente da antiga metrópole, denunciando o controlo total da economia, da política e da sociedade pela França e pelas suas elites económicas.

Mas se, durante muito tempo, conseguiram calar as populações, pela repressão e pelo aliciamento de líderes bem comportados (a quem admitiram na maçonaria, para melhor os envaidecer e controlar), vimos assistindo, nos últimos anos, a uma inversão do cenário. A opinião pública dos países da própria UMOA, mais esclarecida, já não é o que era. Pouco a pouco, os olhos vão-se abrindo. Activistas ousam levantar o tabu e provocar o poder estabelecido, como foi o caso de Kemi Seba, quando queimou uma nota de 5 000 FCFA, recebendo ordem de prisão. Os protestos chegaram de todos os países da zona, até do insuspeito Mali.

O próprio presidente Ouattara, apesar de todas as garantias dadas em Paris a Macron, em Junho do ano passado (decerto ainda não esqueceu as razões que o levaram ao poder), está entalado entre a "obrigação" de não cuspir na sopa, e a sua opinião pública (ou o interesse do seu país?). Num inquérito on-line de opinião promovido durante a semana passada pelo jornal La Depêche d'Abidjan, os resultados afixados pouco antes da meia noite de hoje, dia 19 de Março, eram de 11% a favor do CFA e 89% contra, num total de 2641 votantes.

Mas não é só em África que se levantam as vozes contra o neo-colonialismo que França insiste em tentar impor. O Partido Comunista Francês, sentindo o momento, avança também, através de uma Conferência sobre o Neo-Colonialismo francês em África, já para o próximo dia 24 de Março. "Os povos africanos, pilhados pela nossa burguesia, estão em luta, e não podemos ficar calados. É preciso romper o silêncio".

A centralização das reservas de câmbio bloqueia as economias da zona, a paridade a uma moeda forte limita fortemente a competitividade das economias africanas no mundo (mantendo-se ao serviço dos velhos interesses coloniais), a convertibilidade garantida não passa de uma forma de camuflar a evasão de capitais. A quem aproveita a apregoada "estabilidade"? 

Num artigo de opinião de há uma semana atrás, intitulado "a vergonha dos pedintes", pode ler-se "são numerosos os países africanos que não podem viver sem a ajuda da França. A ajuda ao desenvolvimento não poupa nenhum país africano. Uma vez chegados à Presidência, o país anfitrião é a França. Todos os chefes de Estado à procura de protecção ou de financiamento correm para o país de Macron. O paradoxo é que ainda há poucos meses, se falava na extinção do CFA. É suficiente que façam uma viagem a França para recuperarem alguns dos seus CFA para que os franceses recebam os louros de uma grande generosidade. Mas seria bom procurar descobrir de onde vem na realidade esse dinheiro. As ofertas francesas parecem anedóticas (...) A exploração das riquezas africanas não serão a recompensa das migalhas com que se contentam os africanos após cada anúncio de um dom à pobreza? Apesar dos beneficiários considerarem essas migalhas como o franco culminar de uma amizade entre a França e os pedintes. Poderia a França estar no G5, não fossem esses africanos sedentos de ajuda? Para o desenvolvimento desses países pedintes, é absolutamente necessário cortar com essa mão estendida e criar uma diplomacia razoável. Os chefes de Estado mendigos responderão perante o Juízo Final".

Acrescentamos que a hipocrisia francesa chega ao ponto de contabilizar como ajuda ao desenvolvimento os juros referentes aos depósitos obrigatórios dos países da UMOA no seu Banco Central!

O pior de tudo isto é que, por causa de interesses alheios irredutíveis, os africanos da costa ocidental podem perder uma oportunidade de ouro para uma verdadeira integração regional, no contexto de uma solução negociada. Não fosse a intransigência francesa, preocupada apenas com o seu umbigo, soluções criativas poderiam ser encontradas, como sugeriu em entrevista, há quatro dias, o antigo primeiro ministro do  Bénin, propondo a indexação mista em relação ao dólar e ao euro (também referida no artigo já aqui publicado "Où est MOA"). 

segunda-feira, 19 de março de 2018

Alpha Condé engana os professores

Alpha Condé, internamente enfraquecido, depois de uma semana infernal ("a Guiné é um vulcão prestes a explodir"), acabou por, durante o fim-de-semana, fazer concessões a contra-gosto, acedendo a um aumento de salários dos professores em 40%. Claro que isso tem o grande inconveniente de representar um descontrolo das despesas e afastar a Guiné dos critérios de convergência para uma futura moeda única.

Apesar da alegria e satisfação manifestada hoje pelos professores (e alunos), com o fim da greve e a retoma das aulas, após várias semanas de greve, aquilo que os professores não imaginam é que, em termos reais, o aumento será sol de pouca dura e o seu efeito não passará de um mês, pois a taxa de inflação vai disparar, uma vez que o franco guineense não está indexado. Foi o esforço de contenção de despesas, para satisfazer o jogo dos franceses, que permitiu controlar a taxa de inflação. Trata-se de um balão de oxigénio puramente nominal, rapidamente a situação voltará à vaca fria.

A Guiné cada vez mais longe da moeda única, apesar dos compromissos assumidos por Alpha Condé perante os franceses.

Quem não se fez esperar, foram os professores senegaleses, os quais, inspirados pelos colegas guineenses, querem agora também aumentos salariais que Macky Sall, debaixo da pata gaulesa, como aluno obediente, não pode conceder. É que, se Alpha Condé controla a sua política monetária (a impressora de notas), o mesmo não se pode dizer do Senegal.

O debate sobre o futuro da moeda única vai aquecer.

Paulo Flores e Manecas Costa esgotam em meia hora

Os bilhetes para os concertos marcados para os dias 30 e 31 de Março, no Real Plaza Hotel, no âmbito do evento Show do Mês, organizado pela Nova Energia, esgotaram ontem pouco tempo depois de colocados à venda e, segundo as últimas informações, já estão a ser vendidos muito acima do valor facial.

Há mais de uma dúzia de anos a tocar juntos, os músicos, que se tornaram quase inseparáveis nos últimos tempos, encarnam uma verdadeira irmandade musical Angola / Guiné-Bissau, entre o Semba e o Gumbé, do mais profundo das raízes identitárias ao ritmo dos batuques, até aos acordes mais sofisticados.

sábado, 17 de março de 2018

Espectro de guerra civil em Conacri


Condenação da presença das milícias donzo em Conacri (patrocinadas por Alpha Condé, fazendo apelo ao fantasma étnico): 

"Um precedente grave que não deve ficar impune. Deve ser reprimido, pois esta situação é de natureza a dar ideias a outros e a conduzir ineluctavelmente o nosso país à guerra civil. (...) Os extremistas devem ser travados no seu ímpeto diabólico. É imperioso que os republicanos acordem. Aqueles que acreditam numa sociedade de debate respeitando o contraditório, têm de tomar uma atitude, senão corremos o risco de vermos o nosso país precipitar-se no abismo da guerra civil. Cada dia que passa nos aproximamos mais do caos. O perigo de que falo não é o terrorismo, é bem pior, porque os pirómanos conseguiram instalar nos espíritos os germes de um conflito comunitário."

Quem ontem escreveu isto não foi um activista qualquer. Foi o deputado Ousmane Gaoual, vice-presidente da Comissão Parlamentar de Defesa e Segurança, que assim acusa o Presidente de ser um pirómano pior que terrorista e de estar a fomentar uma catástrofe humanitária.

Alpha Condé em desespero de causa, leva o ódio aos adversários políticos ao paroxismo de subtrair os seus mortos: ordenou que fizessem desaparecer o corpo do jovem (muito próximo dos líderes da oposição) assassinado na quarta-feira durante uma manifestação. Alguns já pedem o envio de uma força da CEDEAO, para proteger a população das exacções do seu Presidente, que acusam de terrorismo de Estado

Déficit comercial

Segundo dados do INE português, Portugal tem um saldo positivo da sua Balança Comercial com a Guiné-Bissau de 31 969%, ou seja exporta 320 vezes mais do que de lá importa. As importações consistem em castanha de cajú, sucos, extractos vegetais e desperdícios de ferro (sucata), e não excedem 261 mil euros. As exportações, por sua vez, ascendem a 83,7 milhões de euros e estão relacionadas com produtos petrolíferos, à altura de 41,7%, seguidos do sector agroalimentar (incluindo cerveja) com 26,4%.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Bardadi i Malgueta na ponta da informação

A imprensa portuguesa já lê o seu Blog Bardadi i Malgueta. Às 16h16 dávamos a primeira notícia "França isola Guiné-Bissau" e às 18h13 publicámos novo artigo "Violação de fronteira em nota oficial" com o link para a nota oficial da diplomacia francesa, que a LUSA retomaria já depois das 20h, sendo automaticamente republicada pelo Diário de Notícias e pela TSF. Em menos de duas semanas de existência deste blog, já conquistámos um grande número de leitores, que continuam todos os dias a crescer.

Máfia em família

A foto é de Naka Gnassingbé de Souza, irmã de Faure Gnassingbé e mulher de Marcel de Souza, literalmente chamada aqui (com provas) de "cocufiée" (cornuda).

Marcel de Souza é um mentiroso compulsivo.


Lomé, meados de Outubro do ano passado.

Faure Gnassingbé, que se apoderou do poder em 2005 por meio de um banho de sangue, estava entrincheirado no seu palácio e remetido a um absoluto mutismo, perante manifestações populares por todo o país, que exigiam o seu abandono imediato da Presidência do Togo, país dominado pela sua família há cinquenta anos. Sem outras soluções, ordena uma repressão militar cega. Os testemunhos das exacções cometidas e as imagens das barbaridades cometidas contra a população correram o mundo.

Segundo o jornal L'Alternative, para tentar romper o isolamento, aproveitou uma fugaz acalmia da situação para se deslocar a Conacri, "para se encontrar com Alpha Condé, presidente em exercício da União Africana, que também alimenta veleidades de alteração da constituição do seu país, para poder candidatar-se a um terceiro mandato. (...) deslocando-se precipitadamente a Conacri para visitar Alpha Condé, que sofre da mesma bulimia do poder, Faure Gnassingbé procurava um aliado de peso, com quem pudesse contar na sua sistemática recusa em abandonar o poder. (...) A viagem a Conacri torna-se ainda mais intrigante quando se descobre que a bordo do avião viajava um passageiro clandestino, na pessoa do seu cunhado Marcel de Souza, presidente da Comissão da CEDEAO. A CEDEAO parece ter-se tornado no estabelecimento comercial de Gnassingbé & Aliados. De que outra forma se pode compreender que o Presidente da CEDEAO, contestado no seu país pelas populações, embarque no seu avião o Presidente da Comissão da mesma instituição, que por acaso até é seu cunhado, para irem discutir as ameaças pesando sobre o seu regime com o Presidente da União Africana? Eis como os Chefes de Estado da África Ocidental reduziram a CEDEAO a uma instituição de pacotilha, cujos principais órgãos de decisão se encontram nas mãos de uma mesma família. Faure Gnassingbé quer implicar o seu aliado na crise togolesa na esperança de salvar o seu regime com um acordo da treta. Cabe à oposição, que já por mil vezes assinaram compromissos que a comprometeram, evitar cair na armadilha de Faure Gnassingbé e do seu aliado Alpha Condé, cujo único objectivo é enfraquecer a oposição e retomar a situação em mãos".

Manifestações em Lomé, em princípios de Novembro, declaram Marcel de Souza indesejável no Togo, podendo ver-se cartazes exigindo a sua retirada do processo de mediação, por parcial.

No mês seguinte, quando foi eleito o novo presidente da Comissão da CEDEAO, o marfinense Jean-Claude Brou para o lugar de Marcel de Souza, durante a 52ª Conferência da CEDEAO realizada em Abuja a 16 de Dezembro de 2017, Pape Kane, especialista regional da Open Society, aplaudiu a substituição, e criticou o papel de mediação de Marcel de Souza, em declarações à RFI: "Um dos desafios da CEDEAO deve ser a sua capacidade de resolução de crises. (...) O Presidente da Comissão tem interesses no caso, uma vez que a sua irmã é a esposa do actual Presidente do Togo. Portanto a sua capacidade para gerir esta situação é difícil, pois não se pode ser árbitro e jogador ao mesmo tempo". Constatação do jornalista no mesmo artigo: "já o tom dos Chefes de Estado era mais firme, em relação à Guiné-Bissau"...

Mais recentemente, em meados de Fevereiro, a oposição togolesa queixa-se que a multiplicação de encontros (25) não deu em nada. Um comunicado imprudente da mediação de Alpha Condé dá a entender ter sido fabricado no próprio Togo pelo interessado (numa clara semelhança com o que se passou na Guiné-Bissau), o que apenas veio envenenar ainda mais uma já remota aproximação de posições. "Ao pedir a suspensão das manifestações da oposição popular enquanto dava início às negociações políticas, em 15 de fevereiro de 2018, a equipa de Alpha Condé estava a brincar com fogo, enfraquecendo o papel de mediação. (...) Faure Gnassingbé não tem causa no Togo; só tem um desejo, que é permanecer eternamente no poder, recusando a alternância política (...).  A legitimidade de Faure Gnassingbé está em queda livre." 

O Presidente Buhari já afirmou que a escolha de Faure Gnassingbé para Presidente da CEDEAO foi infeliz. Resta desfazer todo o mal que esta máfia trouxe à credibilidade da organização com o processo de mediação na Guiné-Bissau (onde não há violação de Direitos Humanos nem se matam os manifestantes com bala real, como em Conacri ou em Lomé) que culminou na imposição de sanções, apenas por diversão, para distrair a atenção dos seus próprios casos terminais de regime. 

Farsas beninenses

Jornalista denuncia mesa redonda de Paris para o Bénin, realizada há três anos, como uma farsa. Nessa mesa redonda foram prometidos vários milhares de milhões de euros, e os resultados foram apresentados internamente com pompa e circunstância pelo então Presidente Yayi e por Marcel de Souza, seu cunhado (também é cunhado de Faure Gnassingbe), o qual anunciou 18 grandes projectos que deveriam servir de "farol". Passado este tempo, constata-se que tudo não passou de uma grande ilusão, tratando-se de simples promessas e não de compromissos financeiros. Ou seja, não deu em nada. 

Mas como chegou Marcel de Souza a Presidente da Comissão? Um conselheiro técnico do ex-Presidente Boni Yayi, do Bénin, deu conta das suas memórias e conta que o processo foi o mesmo pelo qual Tchané ascendeu à presidência do BOAD: chantageando e encostando um presidente fraco à parede. Em 2015 Marcel de Souza era acusado de dar um "beijo de Judas" a Yayi, numa votação cerrada (42 a 41) e fez um discurso "com amálgamas e mentiras grosseiras" para se defender, garantindo a sua lealdade ao presidente. No entanto, um ano depois, tomando posse como Presidente da Comissão da CEDEAO, Marcel de Souza não tardaria uma semana a mudar de campo, passando para o do adversário, que viria posteriormente a ganhar as eleições e é hoje presidente do Bénin.

Yayi ainda tentou mobilizar os bons ofícios de Marcel de Souza perante Patrice Talon, com medo dos dossiers de corrupção abertos pelo novo presidente à sua gestão. Entretanto, o Bénin parece estar a recuperar a confiança dos investidores, com o FMI a distinguir o país com o elogio das suas políticas de saneamento das contas públicas, afectadas por uma década de despesas sem controlo do regime Yayi, tendo merecido mesmo uma visita de Christine Lagarde.

Violação de fronteira em nota oficial

Não fica bem à diplomacia francesa assumir com tanta naturalidade a possibilidade da violação da intangibilidade das fronteiras africanas.

Em nota publicada hoje:

"Devido às operações militares em curso para procurar os culpados ao sul de Ziguinchor, ou mesmo na Guiné-Bissau (ao sul da fronteira com o Senegal), é formalmente desaconselhada, até nova ordem, qualquer deslocação à zona fronteiriça de Casamansa."


Português é língua do futuro em Casamansa


O Embaixador de Portugal no Senegal, Paulo Nascimento defendeu hoje, na inauguração do Centro de Língua portuguesa de Ziguinchor (já havia um outro em Dakar), o papel histórico do português na região, vizinha da Guiné-Bissau, com quem Portugal tem uma relação especial. O ensino do português no Senegal conta com 45 000 alunos inscritos.

Dar conta do recado


O Porta-Voz do PRS, depois de ter sido a cara do Partido na primeira contestação às sanções (ao ler há um mês atrás o manifesto do Partido assinado pelo Presidente Alberto Nambeia, frente às instalações da CEDEAO) consideradas "injustas, parciais e infundadas" (denunciando visarem decapitar o PRS e preparar o caminho para uma vitória do PAIGC), exigindo por essa ocasião o seu levantamento imediato, está agora de novo em forte contra-ataque, já depois da formalização dos órgãos do Partido. 

Victor Pereira considera que a CEDEAO foi manipulada na questão da imposição das sanções. Lembrou que nem a ONU nem a União Europeia endossaram as sanções. O que deixa a CEDEAO isolada, sabendo que o apoio da União Africana foi viciado pela Presidência de Alpha Condé. As "sanções não têm pés nem cabeça". Efectivamente, não só não têm qualquer cobertura legal, como não têm pernas para andar. O também Ministro da Comunicação dá a entender que a situação poderá inverter-se nos próximos tempos, reconhecendo estarem a ser efectuadas diligências junto de várias pessoas: "estão a ser dados passos serenos para dar conta do recado".

França isola Guiné-Bissau

O Ministério francês dos Negócios Estrangeiros acaba de desaconselhar formalmente a fronteira de Casamansa com a Guiné-Bissau, aparentemente na expectativa de uma intensificação das operações militares em curso na zona, para encontrar os culpados pelo massacre de 13 pessoas, incluindo vários cidadãos bissau-guineenses, ocorrido no passado dia 6 de Janeiro. A diplomacia francesa faculta um mapa datado de Maio de 2013, onde se pode constatar o "cordão sanitário".

Com Senso de Estado

O PRS, através do seu Porta-Voz e Ministro da Comunicação, Victor Pereira, em declarações à LUSA, vem reiterar a política de facilitação de consensos à qual o Partido se viu compelido, por força da implosão do PAIGC, desde finais do ano de 2015.

Neste processo, recorde-se que, logo em inícios de 2016, o Secretário Geral do PRS fizera um importante aviso à navegação, ao então Primeiro-Ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, do PAICV, para não se ingerir nos assuntos internos do país, recomendando o mesmo à Comunidade Internacional, a quem pediu que adoptassem posições isentas. Premonição do que estava para vir?

"Relativamente ao Primeiro-Ministro de Cabo Verde voltamos a apelar no sentido de abdicar de comentar os assuntos internos da Guiné-Bissau. (...) Eu nunca ouvi um primeiro-ministro da Guiné-Bissau a falar das crises em Cabo Verde. É preciso respeitar a soberania. Somos parceiros, somos amigos, mas antes de mais, devemos respeitar a Guiné-Bissau enquanto Estado soberano".

Em a origem do impasse, já contámos a história da alienação de soberania que se seguiu. No entanto, vale a pena reler, sobre o mesmo assunto, a entrevista de Florentino Mendes Pereira ao Expresso das Ilhas, há cerca de um ano, da qual consta que:

"O PRS, enquanto partido responsável, ao sustentar soluções de governabilidade razoáveis e exequíveis que permitam fazer funcionar o país, foi de novo obrigado a dialogar para encontrar saídas para o impasse artificialmente criado, cuja responsabilidade não pode, de forma alguma, ser assacada ao nosso Partido."

O PRS, apesar de ser a força partidária maioritária no contexto da nova maioria parlamentar com origem na expulsão dos 15 deputados do PAIGC, nunca aceitou liderar qualquer governo, deixando o ónus de tal tarefa estratégica aos cuidados do Presidente da República e desses elementos do PAIGC. Todos os sete Primeiros-Ministros pertencem ou pertenciam ao PAIGC. O PRS acautelou devidamente o seu grau de responsabilidade, tendo-se limitado a fazer a política possível. 

Apesar de todas essas cautelas, "o PRS neste processo foi muito mal compreendido (...) mas não baixará os braços. Para não criar vazios de poder, o PRS neste processo funciona como facilitador". Como parece ter funcionado ao longo destes últimos dois anos. "Por isso, nunca avançaremos com o nome do primeiro-ministro" como defendeu ontem Victor Pereira perante O Democrata. Com sentido de Estado.

quinta-feira, 15 de março de 2018

Retorno às origens

Depois de Taciana Baldé, no Judo, é a vez de Adrielle Brenda Macedo Maturino, campeã brasileira de Hipismo, vencedora da categoria de 1 metro em 2017, decidir competir sob a bandeira nacional, no próximo campeonato mundial, a realizar em Setembro deste ano nos Estados Unidos.

Adrielle tem dupla nacionalidade e encara o desafio como um grande privilégio, mas também como uma grande responsabilidade. A decisão vem na sequência da dinamização do Consulado da Guiné-Bissau na cidade da Baía, com o convite a partir do conselheiro Rui Barai.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Où est MOA?

Onde está a moeda oeste africana? 

Nunca antes se falou tanto da nova moeda única da África Ocidental, sucessivamente adiada. Esta é uma guerra antiga entre duas organizações sub-regionais, a CEDEAO e a UEMOA, que se sobrepõem, numa insustentável duplicidade, em concorrência de objectivos de integração. Não faz sentido haver uma organização económica e outra monetária, cada uma com a sua visão e com a sua política. A comunidade económica (CE), inspirada pela Nigéria para quebrar o seu isolamento, tem uma visão mais proteccionista, propondo um modelo de desenvolvimento regionalmente autocentrado; a união monetária (UM), assenta essencialmente sobre dois pilares, o mercantilismo de baixas tarifas associado à indexação da moeda ao euro. Os oito países da UM são um subconjunto exclusivamente francófono, à excepção da Guiné-Bissau. Os outros países da CE são anglófonos à excepção de Cabo Verde e da Guiné (Conacri) e todos dispõem da sua própria moeda. Uns elogiam a estabilidade e acusam os restantes de volatilidade; enquanto outros gabam a dinâmica de crescimento e reprovam aos restantes a alienação da soberania monetária à França.


A CE, que também prevê uma moeda única, tem sido reforçada no campo político, atribuindo-se-lhe funções soberanas, estando destinada a absorver a UM. A UM, por sua vez, declarou-se também económica e tem pretensões a impôr a sua política monetária aos restantes países. O presidente Ouattara da Costa do Marfim (o peso pesado da UM), em reunião com Macron no Palácio do Eliseu, a 11 de Junho do ano passado, defendia vigorosamente o franco CFA declarando ser "uma moeda sã entre boas mãos". No entanto, a UM representa menos de um terço da população (32,5%) e apenas um sétimo da riqueza criada (14,3%) na CE, enquanto a Nigéria por si só representa mais de metade da população (52,2%) e mais de três quartos do PIB (77,2%).

Nunca como antes a opinião pública dos países da UM tinha discutido tão em profundidade este assunto: assistimos a manifestações contra o franco CFA, considerado por muitos um resquício do colonialismo, patente no próprio nome da moeda. As prisões de alguns activistas, numa tentativa do seu silenciamento apenas vieram dar ainda mais publicidade ao assunto: um inquérito conduzido pela Jeune Afrique revelava que 72% da própria população da UM era contra o franco CFA. Essa pressão da opinião pública deu aparentemente origem a algumas cedências: a UM aceitava vagamente o princípio da extinção do franco CFA; contra a imposição da sua visão de convergência baseada numa política de contenção, em linha com a da União Europeia, tentando isolar a Nigéria, ao propor, na 52ª Conferência de Chefes de Estado da CEDEAO realizada em Abuja no passado dia 16 de Dezembro, uma "transição progressiva" com base em "critérios de convergência".

No 21 de Fevereiro passado, em Accra, reunia-se a task force presidencial para a moeda única, a qual interinou o fim do franco CFA, reduziu os critérios de convergência de 11 para 6, limitou o déficit público a 3% e a inflação a 5%. Mas deixou a Nigéria ainda mais isolada, com o discurso entusiasta do presidente do Gana, o segundo maior PIB da CE logo seguido pela Guiné (Conacri), que também manifesta vontade de cumprir os critérios de convergência, com a Gâmbia fora de combate e Cabo Verde historicamente "indexado". A grande novidade foi o anúncio da criação da instituição monetária única, ainda durante o ano de 2018, para "federar e racionalizar as múltiplas instituições existentes".

Resumidamente, a CEDEAO e a UEMOA vão ser fundidas para dar origem ao embrião do futuro Banco Central único, sob o chapéu da "CEDEAO". Aparentemente, pretende impor-se a competência do BCEAO. O presidente da Nigéria tem vindo a dar mostras de impaciência (como por exemplo quando repreendeu o embaixador do Togo no seu país, acusando Alpha Condé e Faure Gnassingbe de incompetência na mediação guineense). Buhari, ao enviar como seu representante junto dos homólogos o presidente do Banco Central da Nigéria, deixou mais um sinal claro de que não aprecia ser marginalizado. Mesmo que todos os restantes países da CEDEAO conseguissem cumprir os critérios e aderir à moeda única, ainda assim essa moeda (quase) "única" não representaria mais de uma fracção inferior a um quarto (22,8%) do PIB da CEDEAO, se não contar com a Nigéria, que não pode continuar a ser tratada como se fosse apenas mais um país, quando é maior que todos os outros juntos. O presidente do BCN deixou o desafio da apresentação de "um roteiro para a dissociação do tesouro francês", deixando claro, pelas expressões utilizadas, como "edulcoração de critérios de convergência", que não bastam palavras de mercador. É que nestas coisas tudo tem de ficar bem claro, sem qualquer zona de opacidade.

Vivemos portanto um momento especialmente importante de integração, num ambiente económico favorável, com a moeda única a ocupar um papel central na agenda comunitária ao nível da CEDEAO, como se pode constatar pelos Comunicados Finais das últimas Conferências de Chefes de Estado. É essencial promover a discussão de ideias que permitam fazer avançar o processo, e evitar que este volte a emperrar, como já foi o caso em 2003, 2005, 2009 e 2015, datas para as quais a moeda única chegou a estar anunciada. Ora esse papel consultivo e de animação dos debates está confiado ao Comité Inter Parlamentar da UEMOA, que prefigura o futuro Parlamento, actualmente composto por 40 elementos, à razão de cinco parlamentares por cada Estado membro, que reúne pelo menos uma vez por ano. 

Os cinco representantes da Guiné-Bissau nesse fórum, que está actualmente reunido em Abidjan, depois de ter estado previsto para Lomé, são Serifo Djaló e Certório Biote, por parte do PRS, e Cipriano Cassamá, Paula Simões Pereira e Augusto Olivais, por parte do PAIGC. No entanto, não pode contar com a presença do líder da bancada parlamentar do PRS, ilegalmente impedido de viajar, num acto de excesso de zelo da companhia aérea Asky, que deverá explicar as razões da atitude tomada de exclusão da lista de embarque do nome de Certório Biote, tal como constatou este sábado o seu motorista, quando se dirigiu ao aeroporto para despachar a bagagem e tratar do check in. Quem encomendou tal serviço? Onde está o instrumento oficial em que se baseiam? A ordem, a lista? 

Veja-se o convite enviado, bem como o respectivo bilhete de avião. 



É inconcebível que se impeça de viajar um Parlamentar, convidado ao abrigo de trabalhos conjuntos da UEMOA com a CEDEAO, empobrecendo o debate. Já assistimos a casos de promiscuidade entre as duas organizações, como quando o representante especial da CEDEAO para a Guiné-Bissau, o diplomata Blaise Diplo, enviou um ofício à directora do BCEAO em Bissau. No entanto, e uma vez mais, parece que as coisas só funcionam em prejuízo de uma das partes: o Acto Adicional que está na origem das sanções, mesmo que fosse considerado aplicável (o que já constatámos que não em "da nulidade das sanções"), estipula no seu Artigo 9, intitulado Proibição de viajar ao encontro dos dirigentes e das suas famílias ou colaboradores", ponto 2), que "As restrições de viagens acima enumeradas não se aplicam no entanto sempre que os dirigentes proibidos de viajar sejam convidados pela CEDEAO, a União Africana, a União Europeia ou as Nações Unidas, ou quando as deslocações desses dirigentes sejam motivadas por razões humanitárias." Além disso, como esse Acto Adicional presume a sanção ao Estado (que fica impedido de participar em actividades comunitárias), e só acessoriamente aos seus líderes, não é aceitável que uns possam viajar e outros não.

O desafio da moeda única não pode ser ganho enquanto o lobby francês continuar a interferir (ostensiva ou dissimuladamente) nos assuntos da comunidade económica e da união monetária. Por um lado, abusando de uma maioria fictícia de países membros, que não corresponde a um ponderado equilíbrio que reconheça o papel incontornável da Nigéria e o seu peso económico no processo de integração; por outro, contraditoriamente desprezando pequenos países não francófonos, abusando da sua fragilidade. O desafio, como sugere o presidente Buhari, é criar inteligência própria, estabelecer uma visão que possa congregar os vários actores, numa verdadeira análise das oportunidades que oferece a integração regional, respeitando e contando com o contributo de todos, sem a ingerência de interesses estranhos, inseridos numa lógica de continuidade histórica que alimenta a dependência. A construção da unidade na diversidade exige um sobressalto identitário, que autonomize e recentre endogenamente o debate, para institucionalizar soluções criativas e de valor acrescentado. O que não pode ser feito com base na exclusão. E essa reavaliação do contexto, implica decerto a correcção de erros históricos com base na arbitrariedade, como foi o caso da aplicação ilegítima de sanções a uma lista de individualidades guineenses, não fundamentada nem legitimamente alicerçada num quadro legal adequado. Só estabelecendo uma sólida estrutura jurídica, se poderá garantir uma frutuosa integração económica e monetária à escala da CEDEAO, garantindo saudável convivência no futuro.

Mesmo que venha a ser decidido que a indexação (nem que flutuante, de forma a permitir margem de manobra monetária) é parte da solução, o desenho de tal mecanismo deve ponderar mais que uma moeda e ser negociado por todos e não por imposição de qualquer visão que invoque a sua especial competência ou qualificação. Apesar do seu peso populacional ser ínfimo à escala da CEDEAO, Cabo Verde apresenta o maior PIB per capita, à frente da Nigéria. O resultado da comparação do nível de desempenho económico actual da Nigéria com os países da UEMOA, revela-se muito desfavorável para estes últimos, tornando pouco digestiva a sua irrepreensível exemplaridade. É vital encontrar um meio termo, uma visão inclusiva, consensual e potenciadora das sinergias comuns. Contar com a experiência de um quadro administrativo francófono, não impede o reconhecimento e um contributo positivo da experiência anglófona e da experiência lusófona.

Um primeiro passo no sentido de dar mostras de uma nova abordagem, seria reconhecer o erro incorrido em relação à Guiné-Bissau e proceder à anulação das sanções já na próxima Conferência de Chefes de Estado.

terça-feira, 13 de março de 2018

Deus é guineense

Por que outra razão se pode explicar que um argentino razoavelmente instalado na vida deixe tudo para trás e venha desinteressadamente para a Guiné-Bissau ajudar a construir poços?

Gustavo Gonzalez era funcionário municipal em Dina Huapi, na Patagónia, extremo sul da Argentina, mas decidiu mudar radicalmente de vida, depois de se apaixonar pela Guiné-Bissau, após uma visita que fez há cerca de um ano. Decidiu mudar-se para cá com os três filhos e a mulher, trocando o frio e as neves da sua terra pelo intenso calor humano que confessa ter sentido aqui. Alugaria várias das suas pequenas propriedades para poder financiar a opção tomada, contra a opinião da maior parte da família, que consideraram o projecto uma loucura, argumentando com a ausência de cuidados de saúde, a qualidade da educação, os riscos políticos... mas nada demoveu Gustavo, a sua mulher Laura e os seus filhos. Em relação ao curso que o seu filho mais velho, com 18 anos, não vai poder seguir, respondeu: "Prefiro que os meus filhos aprendam que o maior tesouro é amar a Deus e ao próximo, e não possuir um título, isso não tem mal, mas parece-me ser desperdiçar a vida lutando para ser o melhor, e depois vem sempre alguém que te ganha".

Mas como começou esta história de altruísmo? Em 2015 a família fez uma pequena viagem a uma cidade vizinha e entraram por acaso no stand de uma ONG, Água e Vida, impulsionada por Alejandro. Este dedicava as suas férias, um mês por ano, a construir poços na Guiné-Bissau e contou-lhes a experiência. Todos ficaram maravilhados com o relato, a ponto de as crianças terem vendido jogos e livros para reunir uma razoável quantia que depositaram na conta da organização. Entretanto Alejandro e a sua mulher, Paula, que se tornaram amigos da família, decidiram mudar-se para a Guiné-Bissau, e convidaram Gustavo a visitá-los. Quando voltou, contou à família e pouco tempo depois a decisão estava tomada. Em Maio do ano passado, deu uma entrevista a um periódico e outra à televisão regional, anunciando publicamente a sua intenção. 

A família chegou a Bissau em 25 de Novembro do ano passado. Ontem Gustavo, pela primeira vez desde que chegou, deu uma entrevista ao diário da sua terra, dando notícias suas, confessando-se satisfeito com a sua nova opção de vida: "Isto que estou a fazer é mais um privilégio que um sacrifício". Mas o pretexto não foi a sua vida. Foi a história de uma vizinha, de poucos recursos, em fim de gravidez, a quem a Laura e Paula haviam levado para fazer uma ecografia, poucos dias antes, para descobrir que se tratavam de gémeas. Segundo a cultura local, uma dos duas deveria morrer. Mas as duas argentinas falaram com a rapariga e persuadiram-na que as crianças eram sempre uma benção. As duas famílias não tinham dinheiro para a cesariana e temiam perder a jovem mãe e as gémeas, como confessa Gustavo: "A única coisa que fizemos foi pedir ajuda a Deus". A ajuda chegou, por acaso, no próprio dia do nascimento: uma doação de uma senhora argentina! A mãe deu o nome de Paula e Laura às recém nascidas.

Quem veja o vídeo da entrevista à televisão poderá constatar a paixão com que Gustavo descreve a Guiné-Bissau "parece a Torre de Babel, tantas são as etnias". Porque tomou esta arriscada opção? "Porque nos demos conta que com pouco se pode fazer muito." Lá na sua terra, não era o frio que mais o tolhia, mas a frieza humana: "Quando vejo os nossos jovens que têm tudo, mas a quem custa largar o telemóvel para estender a mão e cumprimentar uma pessoa" e quase chora quando se refere ao nosso povo extremamente amigável.

A Guiné-Bissau é de quem a ama. Há quem tenha vendido passaportes guineenses. Seria mais que justo conceder a cidadania honorária a estas duas famílias. E, já agora, a Deus também.

sábado, 10 de março de 2018

Momento crucial na Zona Zero

José Carlos Schwarz, o genial cantor guineense cujo 40º aniversário da morte a RTP África assinalou no dia 27 de Maio do ano passado, com um programa no qual marcou presença a sua viúva e o jornalista Tony Tcheka, contou igualmente com um contributo musical do seu filho, o qual confessou ter assumido tardiamente a sua vocação, ao optar por seguir as passadas do pai: dedicou-se à música, mesmo sabendo das dificuldades dessa opção, pois sentia como uma grande responsabilidade a reminiscência do nome paterno.

Remna Schwarz lançou um primeiro álbum há quatro anos, Saltana, que classifica como sobretudo influenciado pelo rap e pelo reggae. No entanto, a recepção não foi muito boa, e reconhece que ele próprio não se revê já nesse trabalho, ainda imaturo. Tem a hombridade de confessar que "de cada vez que ouço o Saltana não consigo realmente curtir, estou sempre a encontrar erros, a criticar", na entrevista sobre o seu novo álbum, Zona Zero, a pretexto da sua pré-apresentação na cidade da Praia, em Cabo Verde, no passado dia 8 de Dezembro, no espaço curiosamente intitulado Zero Point (segundo o seu criador, o arquitecto Alex Dias, foi inspirado no conceito da física quântica, Zero Energy Point, de Nicolau Tesla, o qual defende que há uma quantidade impressionante de energia no próprio vácuo).

Apesar de ter nascido no Senegal, de viver em Cabo Verde, de ter passado pela América e de ir muitas vezes a Portugal, é interessante notar a assunção do "nós" (guineenses) no seu discurso, sempre na primeira pessoa do plural. O novo álbum Zona Zero é essencialmente um reencontro com o pai, um retorno às raízes continentais, à Guiné-Bissau. Conta com as participações especiais de vários artistas guineenses, Karyna Gomes, Eneida Marta e Manecas Costa, sendo cantado em crioulo guineense. Num outro artigo publicado por ocasião dessa pré-apresentação, o cantor anunciava a sua intenção de ajudar a forjar uma "nova visão de África". Aparentemente, não herdou do pai apenas o gosto pela música, mas também pela intervenção.

Hoje, dia 10 de Março, concedeu uma entrevista à Agência Lusa, que recebeu tratamentos diversos.

O portal Sapo focou-se essencialmente nos aspectos musicais. Remna defendeu que tem dificuldade em classificar qual o género do seu trabalho musical e que o seu público são sobretudo pessoas de mente aberta: "Hoje, o problema é que tens gavetas: isso é morna, coladeira, batuque, e quando fazes um estilo completamente fora disso, há um choque, primeiro com os ouvidos, depois com a aceitação, porque a música tem de entrar e se não tens os códigos para decifrar é difícil. Mas se já tens a mente aberta, ouves muita música lá fora, consegues perceber e ter uma sensibilidade para outros caminhos musicais, isso é o meu público".

Realmente a Guiné-Bissau é uma potência musical, atendendo à sua pequena dimensão territorial e humana. Caso para dizer "pequena no tamanho mas grande na fama". E a música, associada à letra, é sem dúvida uma ferramenta de mudança do mundo, pela visão que oferece. Remna, que já defendera que a principal diferença do seu novo álbum em relação ao anterior reside na grande aposta ao nível da letra, acrescenta que o guineense gosta de "falas, formas de dizer, de imaginar, falar sobre o mundo." 

É esse pendor político ao qual a TSF dá sobretudo destaque. O entrevistado "lamenta que a instabilidade política esteja a impedir o país de se desenvolver, mas encontra sinais de esperança (...) sempre que visita a Guiné-Bissau. Há muitos artistas que (...) têm sempre uma mensagem de esperança, estão sempre a celebrar a vida, sempre com um posicionamento forte, críticas sociais e políticas muito fortes nas letras das músicas". A frase que tanto a TSF como o Diário de Notícias destacam em título é "os conflitos pessoais estão a ter consequências desastrosas", a que o artista acrescenta "em termos de imagem que estamos a promover no mundo". Ou seja: enquanto por um lado, a música define positivamente a guineendade, por outro, a política contribui para a péssima ideia que se faz do nosso país no exterior.

É pena que não tenham perguntado ao Remna Schwarz a razão da escolha do título. Talvez essa fosse uma chave, para decifrar a sua tomada de posição. O que é esta Zona Zero?

Zona Zero foi o termo escolhido para os locais do impacto das bombas atómicas, nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, que acabaram com a Segunda Guerra Mundial, que talvez possamos relacionar com o Ground Zero, aplicado às torres gémeas do WTC, do atentado de 11 de Setembro de 2001. Representam um trauma. Uma pesquisa no Google permitiu-nos descobrir que é também o nome de um grupo musical brasileiro. Mas é também o título de uma canção de Justino Delgado, que lembra a Guerra Colonial.

Zona Zero era o código para referir Bissau, no tempo da luta pela independência. Era o objectivo final, conquistar a capital. Mas a tomada de Bissau, que aparentemente Amílcar Cabral parecia querer refrear, representou igualmente um presente envenenado. O próprio líder tinha avisado para a ganância do poder, quando tentara prevenir para os riscos: "Não pensem que vão todos mandar em Bissau". Cabral não viveu o suficiente para assistir, e criou-se uma grande clivagem, reflectida no próprio nome do país, numa quase oposição entre a Guiné e Bissau, entre o mato e a praça. Para o ilustrar, recorramos a dois exemplos, entre muitas reflexões que já foram produzidas sobre o assunto. 

Num artigo, datado de 2012 e intitulado de "Racionalizar o pensamento guineense", da autoria de Augusto Tchuda, escrevia-se que "a moda dos ditos civilizados da praça mal arranjada de Bissau, que pelo facto de terem aí nascido e ter sido capital, pensam que só a eles compete decidir os destinos de um universo de aproximadamente 1.600.000 guineenses. Infelizmente, os guineenses, para justificar as suas incapacidades procuram bodes expiatórios, senão vejamos: de 1974 à 1980, quando os naturais da referida Zona Zero, concluíram que afinal podiam ser eles a conduzir os destinos do país (...) abriu algibeiras e panças, aos Senhores da Zona Zero, destruiu-se tudo, mas tudo, na alusão de se tratar de projectos ambiciosos, nem outros que não fossem ambiciosos vimos, tendo por consequência um país no fosso. Até hoje, não há ninguém que o resgate daí. Começou-se a assistir a matanças, quando grandes homens da etnia horizontal foram levados a cemitérios anónimos. (...) É bom a partir de já termos em conta que a horizontalidade daquela etnia, nunca foi motivo da Guiné-Bissau estar onde está. Pois seria ridículo prestar respeito a um chefe a quem por afinidade é confiado determinado cargo público, que apesar disso a sua competência técnica é questionável, não obstante isso exerce ainda com arrogância e altivez a função que mendigou. Por isso, não hesitaria em dizer aos nossos irmãos cabo-verdianos, que merecidamente mostraram que nunca foram aquilo que os camaradas da Zona Zero diziam. (...) Da mesma forma, a sociedade horizontal, que todos conhecem pela sua humildade e generosidade não é, nem nunca será o maior problema da Guiné-Bissau, sempre respeitou as culturas homólogas com consciência da sua diversidade. A Paz é sinónimo de respeito pelas ideias de cada um, pela diversidade de ideias, pensando nos valores sociais, independentemente de alguém ter nascido onde quer que seja, é Guineense."

No seu livro "O desafio do escombro: nação, identidades e pós-colonialismo na literatura da Guiné-Bissau", Moema Parente Augel, escreve na página 294 que "Se concordamos que a nação seja uma comunidade política imaginada, admitimos igualmente ser ela constituída a partir do discurso. A auto-reflexão que se conheceu na Guiné-Bissau, na cena pública, até aos anos noventa, foi quase apenas a dicção hegemónica, sob a forma de discursos oficiais. Interessa fazer passar sua própria visão do passado, elaborando um discurso excludente, unívoco, a partir da estratégia de lembrar factos, omitindo outros. Os ideais de nacionalidade e de cidadania eram transmitidos ao povo pelos meios de comunicação disponíveis. A imprensa e sobretudo a rádio, num país de tantos iletrados, foram instrumentos de propaganda e de doutrinação, primeiro do Partido clandestino, depois do Partido vencedor e único, o PAIGC. Já me referi ao comportamento das classes dominantes guineenses, apropriando-se do prestígio devido à participação na luta de libertação, dele se servindo para legitimarem os seus actos e se conservarem no poder. Ter estado no mato justificava todo o tipo de desmando e abuso de autoridade, sendo atenuante para derrapagens morais e falta de capacidade. Nas décadas de setenta e oitenta, esse estado de coisas era extremo. A auto-celebração determinava a escolha de novos dirigentes, que passavam a ocupar cargos administrativos de direcção apenas escudados com a aura de combatentes de liberdade da pátria. Filinto de Barros espelha em seu texto uma atitude bastante generalizada naquela época, quando o povo ainda estava imbuído da euforia da enorme façanha que fora a expulsão dos tugas, deixando uma das suas personagens exclamar, como justificativa para a falta de reacção ou de protesto do povo Não te esqueças que chefe é chefe. Filinto de Barros nasceu em Bissau a 28 de Dezembro de 1942. Entrou para as fileiras do PAIGC na Zona Zero, isto é em Bissau."

O próprio pai do artista, José Carlos, em quem se inspira para o seu tema Kal Koldadi do seu novo álbum, onde fala de prostituição e de exploração feminina, foi bem claro na sua crítica, no tema Apili, e por isso, devido ao seu espírito inconformado e contestatário, sofreu a marginalização por parte do regime, cuja mediocridade não tolerava a crítica (apesar de ter sido um dos principais recrutadores do Partido na Zona Zero, contornando a vigilância da PIDE e aproveitando os concertos que dava, e a consideração que estes lhe granjeavam). Em que medida esta incapacidade de compreensão mútua entre os dois mundos não se deve a uma pseudo-elite incapaz, que nunca soube nem quis dar a mão aos seus irmãos para os elevar promovendo a igualdade de oportunidades, preferindo sempre a aparência da superioridade (mascarando na verdade os seus complexos de inferioridade), para melhor os excluir e defender os seus interesses, parasitários de uma verdadeira sociedade? Leiam-se os excertos de opinião de Gervasio Silva Lopes aqui publicados há bem pouco tempo...

Voltando à entrevista de Remna Schwarz à Lusa "Há muitos interesses para não haver acordo para sair daquela tormenta política. A Guiné-Bissau tem uma diversidade muito grande, muitas riquezas internas, e a partir do momento que houver estabilidade política vai ser um grande drama para os países vizinhos (...) Há um desentendimento muito forte que não tem sentido. A Guiné-Bissau é um dos países onde temos mais discursos intervenientes, mais pessoas engajadas política e socialmente. (...) Há um cansaço, uma insatisfação enorme porque as coisas não estão a funcionar. (...) Tenho muita fé que vamos mudar a situação e vai ser já, já. Estamos num momento crucial da nossa História, num momento em que ou acaba tudo ou acaba tudo" (entenda-se, ou acabamos com a situação, ou a situação acaba connosco). 

Chegados ao Ponto Zero (que, segundo atesta Tesla, tem um grande potencial energético), como dizia Kumba Yalá, "ou vivemos felizes juntos, ou morremos todos".