quarta-feira, 14 de março de 2018

Où est MOA?

Onde está a moeda oeste africana? 

Nunca antes se falou tanto da nova moeda única da África Ocidental, sucessivamente adiada. Esta é uma guerra antiga entre duas organizações sub-regionais, a CEDEAO e a UEMOA, que se sobrepõem, numa insustentável duplicidade, em concorrência de objectivos de integração. Não faz sentido haver uma organização económica e outra monetária, cada uma com a sua visão e com a sua política. A comunidade económica (CE), inspirada pela Nigéria para quebrar o seu isolamento, tem uma visão mais proteccionista, propondo um modelo de desenvolvimento regionalmente autocentrado; a união monetária (UM), assenta essencialmente sobre dois pilares, o mercantilismo de baixas tarifas associado à indexação da moeda ao euro. Os oito países da UM são um subconjunto exclusivamente francófono, à excepção da Guiné-Bissau. Os outros países da CE são anglófonos à excepção de Cabo Verde e da Guiné (Conacri) e todos dispõem da sua própria moeda. Uns elogiam a estabilidade e acusam os restantes de volatilidade; enquanto outros gabam a dinâmica de crescimento e reprovam aos restantes a alienação da soberania monetária à França.


A CE, que também prevê uma moeda única, tem sido reforçada no campo político, atribuindo-se-lhe funções soberanas, estando destinada a absorver a UM. A UM, por sua vez, declarou-se também económica e tem pretensões a impôr a sua política monetária aos restantes países. O presidente Ouattara da Costa do Marfim (o peso pesado da UM), em reunião com Macron no Palácio do Eliseu, a 11 de Junho do ano passado, defendia vigorosamente o franco CFA declarando ser "uma moeda sã entre boas mãos". No entanto, a UM representa menos de um terço da população (32,5%) e apenas um sétimo da riqueza criada (14,3%) na CE, enquanto a Nigéria por si só representa mais de metade da população (52,2%) e mais de três quartos do PIB (77,2%).

Nunca como antes a opinião pública dos países da UM tinha discutido tão em profundidade este assunto: assistimos a manifestações contra o franco CFA, considerado por muitos um resquício do colonialismo, patente no próprio nome da moeda. As prisões de alguns activistas, numa tentativa do seu silenciamento apenas vieram dar ainda mais publicidade ao assunto: um inquérito conduzido pela Jeune Afrique revelava que 72% da própria população da UM era contra o franco CFA. Essa pressão da opinião pública deu aparentemente origem a algumas cedências: a UM aceitava vagamente o princípio da extinção do franco CFA; contra a imposição da sua visão de convergência baseada numa política de contenção, em linha com a da União Europeia, tentando isolar a Nigéria, ao propor, na 52ª Conferência de Chefes de Estado da CEDEAO realizada em Abuja no passado dia 16 de Dezembro, uma "transição progressiva" com base em "critérios de convergência".

No 21 de Fevereiro passado, em Accra, reunia-se a task force presidencial para a moeda única, a qual interinou o fim do franco CFA, reduziu os critérios de convergência de 11 para 6, limitou o déficit público a 3% e a inflação a 5%. Mas deixou a Nigéria ainda mais isolada, com o discurso entusiasta do presidente do Gana, o segundo maior PIB da CE logo seguido pela Guiné (Conacri), que também manifesta vontade de cumprir os critérios de convergência, com a Gâmbia fora de combate e Cabo Verde historicamente "indexado". A grande novidade foi o anúncio da criação da instituição monetária única, ainda durante o ano de 2018, para "federar e racionalizar as múltiplas instituições existentes".

Resumidamente, a CEDEAO e a UEMOA vão ser fundidas para dar origem ao embrião do futuro Banco Central único, sob o chapéu da "CEDEAO". Aparentemente, pretende impor-se a competência do BCEAO. O presidente da Nigéria tem vindo a dar mostras de impaciência (como por exemplo quando repreendeu o embaixador do Togo no seu país, acusando Alpha Condé e Faure Gnassingbe de incompetência na mediação guineense). Buhari, ao enviar como seu representante junto dos homólogos o presidente do Banco Central da Nigéria, deixou mais um sinal claro de que não aprecia ser marginalizado. Mesmo que todos os restantes países da CEDEAO conseguissem cumprir os critérios e aderir à moeda única, ainda assim essa moeda (quase) "única" não representaria mais de uma fracção inferior a um quarto (22,8%) do PIB da CEDEAO, se não contar com a Nigéria, que não pode continuar a ser tratada como se fosse apenas mais um país, quando é maior que todos os outros juntos. O presidente do BCN deixou o desafio da apresentação de "um roteiro para a dissociação do tesouro francês", deixando claro, pelas expressões utilizadas, como "edulcoração de critérios de convergência", que não bastam palavras de mercador. É que nestas coisas tudo tem de ficar bem claro, sem qualquer zona de opacidade.

Vivemos portanto um momento especialmente importante de integração, num ambiente económico favorável, com a moeda única a ocupar um papel central na agenda comunitária ao nível da CEDEAO, como se pode constatar pelos Comunicados Finais das últimas Conferências de Chefes de Estado. É essencial promover a discussão de ideias que permitam fazer avançar o processo, e evitar que este volte a emperrar, como já foi o caso em 2003, 2005, 2009 e 2015, datas para as quais a moeda única chegou a estar anunciada. Ora esse papel consultivo e de animação dos debates está confiado ao Comité Inter Parlamentar da UEMOA, que prefigura o futuro Parlamento, actualmente composto por 40 elementos, à razão de cinco parlamentares por cada Estado membro, que reúne pelo menos uma vez por ano. 

Os cinco representantes da Guiné-Bissau nesse fórum, que está actualmente reunido em Abidjan, depois de ter estado previsto para Lomé, são Serifo Djaló e Certório Biote, por parte do PRS, e Cipriano Cassamá, Paula Simões Pereira e Augusto Olivais, por parte do PAIGC. No entanto, não pode contar com a presença do líder da bancada parlamentar do PRS, ilegalmente impedido de viajar, num acto de excesso de zelo da companhia aérea Asky, que deverá explicar as razões da atitude tomada de exclusão da lista de embarque do nome de Certório Biote, tal como constatou este sábado o seu motorista, quando se dirigiu ao aeroporto para despachar a bagagem e tratar do check in. Quem encomendou tal serviço? Onde está o instrumento oficial em que se baseiam? A ordem, a lista? 

Veja-se o convite enviado, bem como o respectivo bilhete de avião. 



É inconcebível que se impeça de viajar um Parlamentar, convidado ao abrigo de trabalhos conjuntos da UEMOA com a CEDEAO, empobrecendo o debate. Já assistimos a casos de promiscuidade entre as duas organizações, como quando o representante especial da CEDEAO para a Guiné-Bissau, o diplomata Blaise Diplo, enviou um ofício à directora do BCEAO em Bissau. No entanto, e uma vez mais, parece que as coisas só funcionam em prejuízo de uma das partes: o Acto Adicional que está na origem das sanções, mesmo que fosse considerado aplicável (o que já constatámos que não em "da nulidade das sanções"), estipula no seu Artigo 9, intitulado Proibição de viajar ao encontro dos dirigentes e das suas famílias ou colaboradores", ponto 2), que "As restrições de viagens acima enumeradas não se aplicam no entanto sempre que os dirigentes proibidos de viajar sejam convidados pela CEDEAO, a União Africana, a União Europeia ou as Nações Unidas, ou quando as deslocações desses dirigentes sejam motivadas por razões humanitárias." Além disso, como esse Acto Adicional presume a sanção ao Estado (que fica impedido de participar em actividades comunitárias), e só acessoriamente aos seus líderes, não é aceitável que uns possam viajar e outros não.

O desafio da moeda única não pode ser ganho enquanto o lobby francês continuar a interferir (ostensiva ou dissimuladamente) nos assuntos da comunidade económica e da união monetária. Por um lado, abusando de uma maioria fictícia de países membros, que não corresponde a um ponderado equilíbrio que reconheça o papel incontornável da Nigéria e o seu peso económico no processo de integração; por outro, contraditoriamente desprezando pequenos países não francófonos, abusando da sua fragilidade. O desafio, como sugere o presidente Buhari, é criar inteligência própria, estabelecer uma visão que possa congregar os vários actores, numa verdadeira análise das oportunidades que oferece a integração regional, respeitando e contando com o contributo de todos, sem a ingerência de interesses estranhos, inseridos numa lógica de continuidade histórica que alimenta a dependência. A construção da unidade na diversidade exige um sobressalto identitário, que autonomize e recentre endogenamente o debate, para institucionalizar soluções criativas e de valor acrescentado. O que não pode ser feito com base na exclusão. E essa reavaliação do contexto, implica decerto a correcção de erros históricos com base na arbitrariedade, como foi o caso da aplicação ilegítima de sanções a uma lista de individualidades guineenses, não fundamentada nem legitimamente alicerçada num quadro legal adequado. Só estabelecendo uma sólida estrutura jurídica, se poderá garantir uma frutuosa integração económica e monetária à escala da CEDEAO, garantindo saudável convivência no futuro.

Mesmo que venha a ser decidido que a indexação (nem que flutuante, de forma a permitir margem de manobra monetária) é parte da solução, o desenho de tal mecanismo deve ponderar mais que uma moeda e ser negociado por todos e não por imposição de qualquer visão que invoque a sua especial competência ou qualificação. Apesar do seu peso populacional ser ínfimo à escala da CEDEAO, Cabo Verde apresenta o maior PIB per capita, à frente da Nigéria. O resultado da comparação do nível de desempenho económico actual da Nigéria com os países da UEMOA, revela-se muito desfavorável para estes últimos, tornando pouco digestiva a sua irrepreensível exemplaridade. É vital encontrar um meio termo, uma visão inclusiva, consensual e potenciadora das sinergias comuns. Contar com a experiência de um quadro administrativo francófono, não impede o reconhecimento e um contributo positivo da experiência anglófona e da experiência lusófona.

Um primeiro passo no sentido de dar mostras de uma nova abordagem, seria reconhecer o erro incorrido em relação à Guiné-Bissau e proceder à anulação das sanções já na próxima Conferência de Chefes de Estado.

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