terça-feira, 13 de março de 2018

Deus é guineense

Por que outra razão se pode explicar que um argentino razoavelmente instalado na vida deixe tudo para trás e venha desinteressadamente para a Guiné-Bissau ajudar a construir poços?

Gustavo Gonzalez era funcionário municipal em Dina Huapi, na Patagónia, extremo sul da Argentina, mas decidiu mudar radicalmente de vida, depois de se apaixonar pela Guiné-Bissau, após uma visita que fez há cerca de um ano. Decidiu mudar-se para cá com os três filhos e a mulher, trocando o frio e as neves da sua terra pelo intenso calor humano que confessa ter sentido aqui. Alugaria várias das suas pequenas propriedades para poder financiar a opção tomada, contra a opinião da maior parte da família, que consideraram o projecto uma loucura, argumentando com a ausência de cuidados de saúde, a qualidade da educação, os riscos políticos... mas nada demoveu Gustavo, a sua mulher Laura e os seus filhos. Em relação ao curso que o seu filho mais velho, com 18 anos, não vai poder seguir, respondeu: "Prefiro que os meus filhos aprendam que o maior tesouro é amar a Deus e ao próximo, e não possuir um título, isso não tem mal, mas parece-me ser desperdiçar a vida lutando para ser o melhor, e depois vem sempre alguém que te ganha".

Mas como começou esta história de altruísmo? Em 2015 a família fez uma pequena viagem a uma cidade vizinha e entraram por acaso no stand de uma ONG, Água e Vida, impulsionada por Alejandro. Este dedicava as suas férias, um mês por ano, a construir poços na Guiné-Bissau e contou-lhes a experiência. Todos ficaram maravilhados com o relato, a ponto de as crianças terem vendido jogos e livros para reunir uma razoável quantia que depositaram na conta da organização. Entretanto Alejandro e a sua mulher, Paula, que se tornaram amigos da família, decidiram mudar-se para a Guiné-Bissau, e convidaram Gustavo a visitá-los. Quando voltou, contou à família e pouco tempo depois a decisão estava tomada. Em Maio do ano passado, deu uma entrevista a um periódico e outra à televisão regional, anunciando publicamente a sua intenção. 

A família chegou a Bissau em 25 de Novembro do ano passado. Ontem Gustavo, pela primeira vez desde que chegou, deu uma entrevista ao diário da sua terra, dando notícias suas, confessando-se satisfeito com a sua nova opção de vida: "Isto que estou a fazer é mais um privilégio que um sacrifício". Mas o pretexto não foi a sua vida. Foi a história de uma vizinha, de poucos recursos, em fim de gravidez, a quem a Laura e Paula haviam levado para fazer uma ecografia, poucos dias antes, para descobrir que se tratavam de gémeas. Segundo a cultura local, uma dos duas deveria morrer. Mas as duas argentinas falaram com a rapariga e persuadiram-na que as crianças eram sempre uma benção. As duas famílias não tinham dinheiro para a cesariana e temiam perder a jovem mãe e as gémeas, como confessa Gustavo: "A única coisa que fizemos foi pedir ajuda a Deus". A ajuda chegou, por acaso, no próprio dia do nascimento: uma doação de uma senhora argentina! A mãe deu o nome de Paula e Laura às recém nascidas.

Quem veja o vídeo da entrevista à televisão poderá constatar a paixão com que Gustavo descreve a Guiné-Bissau "parece a Torre de Babel, tantas são as etnias". Porque tomou esta arriscada opção? "Porque nos demos conta que com pouco se pode fazer muito." Lá na sua terra, não era o frio que mais o tolhia, mas a frieza humana: "Quando vejo os nossos jovens que têm tudo, mas a quem custa largar o telemóvel para estender a mão e cumprimentar uma pessoa" e quase chora quando se refere ao nosso povo extremamente amigável.

A Guiné-Bissau é de quem a ama. Há quem tenha vendido passaportes guineenses. Seria mais que justo conceder a cidadania honorária a estas duas famílias. E, já agora, a Deus também.

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